segunda-feira, 30 de junho de 2008

Tempo de refletir


Xeretando na internet, achei uma coluna de Gisela Rao, escritora e jornalista. Não a conhecia, mas achei o que escreveu bastante oportuno:

"... o tempo está correndo demais porque a vida está muito “descompartimentada”. Esse termo, escrito propositalmente assim, é um jeito de tentar chamar a atenção para a forma como a gente esqueceu dos compartimentos da vida. Explico: enquanto andamos na rua, falamos ao telefone. Enquanto estamos no salão de beleza, devoramos um sanduíche. Enquanto comemos, ouvimos músicas no Ipod. Enquanto caminhamos na esteira, vemos tv. Enquanto conversamos com os amigos, checamos os e-mails na internet. Ou seja: nós nos tornamos, cada vez mais, desassossegados incorrigíveis. E se não fazemos nada disso, nos culpamos por sermos inúteis e não sermos aquelas pessoas que saem nas revistas, fazendo mil coisas ao mesmo tempo. "

"À raça dos desassossegados pertencemos todos... desde que tenhamos duas características: a inquietação (que nos torna insuportavelmente exigentes conosco) e a ambição de vencer não os jogos, mas o tempo, esse adversário implacável. "

"Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam antes de concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam. "

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Aponte para onde quiser

A PONTE

(...) Mas como é que faz pra sair da ilha?
Pela ponte, pela ponte
A ponte não é de concreto, não é de ferro
Não é de cimento
A ponte é até onde vai o meu pensamento
A ponte não é para ir nem pra voltar
A ponte é somente pra atravessar
Caminhar sobre as águas desse momento
A ponte nem tem que sair do lugar
Aponte pra onde quiser
A ponte é o abraço do braço do mar
Com a mão da maré
A ponte não é para ir nem pra voltar
A ponte é somente pra atravessar
Caminhar sobre as águas desse momento (...)
(Lenine e Lula Queiroga)

Pois é, muitas e muitas vezes, sem nem percebermos, algum ponto do nosso existir se torna uma ilha. Pensamentos se tornam rígidos e descrentes, sentimentos desesperados ou impotentes. Ficamos isolados da experiência, enxergando a ilha como se ela fosse o mundo todo. E parece realmente não haver saída.

Tomemos o exemplo extremo da anoréxica, que parece estar desligada da sensibilidade para o olhar do outro em seu aspecto determinante, na medida em que tem um conjunto de crenças acerca de peso, alimentação e valor pessoal que se mantém como que independentemente daquilo que se diga a ela (independentemente do olhar do outro). É um ciclo do qual ela não sai. Interpreta o julgamento dos outros sempre a partir do seu prisma particular de desvalorização e de obsessão com o peso. Parece que constrói um modelo de relação consigo própria e com o outro que pode até ter vindo de fora, inicialmente - quando alguém a chamou de gorda, ou quando ficou sabendo do peso da Gisele Bündchen (como foi o caso de uma paciente minha) - mas que logo se desvincula do fator precipitante e parece ganhar vida própria.

No modelo cognitivo-comportamental dos transtornos alimentares encontramos o que parece ser uma das explicações possíveis: o conjunto de crenças (por exemplo, o valor pessoal ligado quase que exclusivamente à forma do corpo; a idéia de que as pessoas magras são fortes e bem sucedidas) é perpetuado por várias tendências disfuncionais de raciocínio. Uma tendência freqüentemente encontrada nas pacientes é a de atentar seletivamente para as informações que confirmam suas crenças, ignorando ou distorcendo as que se contrapõem a elas. Tal tendência é uma das responsáveis pela manutenção do sistema de crenças, uma vez que os dados que poderiam questioná-las são desconsiderados. Esta situação pode ser agravada pelo fato de que, à medida que o transtorno alimentar se desenvolve, a paciente pode se tornar progressivamente isolada do convívio social, exposta apenas aos seus pensamentos disfuncionais.

A anoréxica sofre de uma vergonha proveniente não do olhar real dos outros, mas de um olhar específico e negativo projetado nestes outros por ela mesma. E a anoréxica vive, além da vergonha, a desconfiança. Uma paciente uma vez me disse que, depois de um certo contentamento, sentia ódio, desespero e uma forte cobrança quando, na época inicial de seu emagrecimento, alguém lhe dizia que ela estava magra, ou bonita. Pensava: “ele só pode estar mentindo, será que ninguém vê que não adianta, porque eu vejo que não é verdade. Preciso emagrecer, urgente”. Isso nos faz pensar em uma verdade ainda maior, que ultrapassa a questão da anorexia: não dá pra convencer alguém de que se realmente gosta dele, se a pessoa não se gosta. E é muito difícil romper com esse mecanismo. Talvez seja interessante pensar que, num mundo em que temos que conviver com o outro que nos olha, um sinal de saúde mental seria interpretar o olhar do outro de forma realista. Definitivamente, não é o caso da anoréxica.

Seria, então, o nosso caso?

Apesar de serem padrões de pensamento típicos de pessoas com transtornos alimentares, muitas de nós apresentamos diversos raciocínios distorcidos, que interferem na importância que o corpo toma em nossas vidas. Por exemplo, quantas de nós não acreditamos que nossos problemas se devem à nossa aparência, o que reforça a crença de que uma dieta seria a solução? Imagino o valor que acaba tendo o corpo, já que nele está depositada a razão da infelicidade e frustração! Quantas de nós, muitas vezes, não fazemos interpretações egocêntricas de eventos impessoais, sentindo-nos, por exemplo, olhadas na rua por estarmos gordas ou vigiadas em tudo aquilo que comemos? Lê-se nessas interpretações: “sou percebida naquilo que tenho de pior, de mais vergonhoso”. Uma paciente uma vez colocou que a sensação de estar sendo olhada é tão forte, que às vezes vem mesmo quando ela está sozinha.

Quantas de nós não temos uma tendência a raciocinar em termos absolutos e extremos, e aí qualquer falha – comer algo que consideramos engordativo, por exemplo – é interpretada como total fracasso e perda de controle. Ou conseguimos o nosso intuito – um total controle de nossa fome e do nosso corpo – ou somos uma pessoa sem valor algum.

Muitas vezes há, também, uma valorização dos fracassos e desvalorização dos sucessos. Nossas conquistas são sempre insuficientes. Perceber a si como inadequado em domínios valorizados é traduzido em baixa auto-estima global e parece deixar o Eu “desprotegido” contra eventos estressantes.

Enfim... qual a nossa ilha pessoal?

Em que pensamentos, em que crenças disfuncionais estaríamos isolados?

Qual seria a nossa ponte para o continente?

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Repensando o conceito de dieta.



Quero falar de algo que acho fundamental para que qualquer tratamento para perda de peso seja possível e dê resultados mais duradouros: a POSTURA frente à decisão de emagrecer, as ATITUDES iniciais, que incluem pensamentos, comportamentos e sentimentos.

A primeira coisa a se fazer é repensar o conceito de DIETA.

Abrir mão de ter prazer em comer está tão vinculado à palavra dieta que tem gente que não se sente em dieta se não estiver comendo muito pouco ou apenas coisas que não gosta! Ou seja, só se sente em dieta quando está sofrendo! É comum uma paciente orientada por uma nutricionista competente desconfiar da eficácia da dieta que foi preparada especialmente para ela, com paladar personalizado, justamente por ser apetitosa. “Fazer dieta é ir para a forca”, já ouvi várias vezes. Um suplício.

Sinceramente, quem em sã consciência vai para a forca por vontade própria, e se mantém na forca por um período considerável de tempo? Eu não. Nem ninguém.

Crenças muito comuns são repetidas e incorporadas: “quem quer emagrecer tem que passar fome”, “trancar a boca”, etc., ressaltando o caráter punitivo da restrição alimentar. Talvez por causa do significado moral associado ao peso na nossa sociedade - quem é gordo é visto como moralmente fraco, inferior, inclusive por ele próprio - entrar num processo de perda de peso precisa significar, também, uma expiação do pecado da gula.

As pessoas pensam em dieta, também, na base do tudo ou nada. Ou faço, ou não faço: “se comi um doce, estraguei tudo, não estou mais de dieta, vou relaxar, então, e começar de novo na segunda-feira”. Vêem dieta como um conceito estanque, A DIETA, com letras maiúsculas. Neste ponto de vista, começar uma dieta significa “começar tudo de uma vez”, modificar o que se come, quando se come, com quem se come... manter uma dieta significa manter tudo perfeito sempre. E mais: tudo isso acompanhado de uma hora de atividade aeróbica por dia, todos os dias, “se não, dizem que não adianta”. Honestamente, um processo iniciado com essas idéias por trás dura, no máximo, o tempo de uma empolgação momentânea. Ou seja, está fadado ao fracasso.

É claro que a gente vai precisar fazer mudanças, comer menos de algumas coisas, mais de outras... mas o que temos que ter em mente é que as mudanças são difíceis como qualquer mudança, porque não estamos acostumados aos novos comportamentos. Temos hábitos, e somos muito apegados a eles! Quer dizer, vocês podem pensar: “eu só tenho prazer comendo do jeito que eu como hoje”. Não é bem assim. Até o prazer pode ser aprendido e modificado. É que a gente não se abre para isso, não damos a chance de gostarmos de um outro jeito de comer. Muitas vezes escuto pacientes que fizeram dieta dizendo: “eu até estava gostando da nova forma de me alimentar, estava me sentindo muito bem com os exercícios. Mas aí parei por causa de...”. Ou seja, a dificuldade está na manutenção dos novos comportamentos e atitudes por tempo suficiente para que se tornem hábitos. Não necessariamente no desprazer com a nova relação com o alimento e com a atividade física. Pensem nisso.

Sei que é difícil, mas o tratamento para a perda de peso deve ser encarado como uma ESCOLHA, como uma atitude consciente e não como algo forçado de fora, contra a nossa vontade, “porque somos azarados e nascemos com essa tendência a engordar”, ou “porque somos descontrolados e não temos força de vontade, por isso merecemos ser punidos”.

A decisão por perder peso deve ser encarada como uma perspectiva de mudança, não apenas em termos de dieta alimentar, mas de bem estar, qualidade de vida, de gostar mais de si mesmo.

A dieta...
Se for vista como castigo
Se for vista como necessariamente desprazerosa
Se for vista como obrigação, não como escolha
Se for vista como “tudo ou nada”
Nem adianta começar.

Na verdade,

COMER BEM, DE FORMA SAUDÁVEL, NÃO SIGNIFICA NÃO TER PRAZER EM COMER.

EM VEZ DE DIETA, FALEMOS EM REEDUCAÇÃO ALIMENTAR: UM PROCESSO DE MUDANÇAS GRADATIVAS, PERSISTENTES.

UM PASSO DE CADA VEZ É O SEGREDO DO SUCESSO. COMPROMETER-SE SEMPRE COM ALGO POSSÍVEL, PARA QUE AMANHÃ O NOSSO POSSÍVEL SEJA MUITO MAIOR.